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Ela andava sem rumo nenhum pelos dormitórios no fim da tarde. Uma neblina espessa flutuava por cima do córrego, e o céu avisava que iria chover.
Ochako Uraraka tinha 16 anos e pouca experiência com romance. Uma vida dedicada a um sonho de ser heroína e à sua família não lhe dava chance alguma de se dedicar a um namorado.
Agora, mais do que nunca, ela gostaria de ter essa chance.



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"Uraraka-san! Você por aqui!" A voz dele ecoava pela sua cabeça. Havia se encontrado com ele durante aquela manhã.
Estava correndo na beira do córrego como fazia todo dia.


- Eu não esperava te encontrar. - Izuku corou um pouco. - É um domingo. Achei que iria sair para se encontrar com suas amigas.
- N- Não. - Ochako não levava jeito para conversar com ele, desde que percebeu seus próprios sentimentos. - Eu precisava... Sair um pouco pra tomar um ar fresco, pensar seriamente em algumas coisas! - Sorriu, tentando dispersar qualquer preocupação.
Izuku assentiu com a cabeça e sorriu de volta, não percebendo seu incômodo.
- Tudo bem. Te vejo depois, Uraraka-san! - Ele correu na direção contrária, deixando-a sozinha com a água corrente.
- Até depois... - Ela disse para o nada, um pouco distraída.





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É aí que a encontramos. Sozinha, voltando para os dormitórios, sem vontade alguma de treinar.
Ela já foi melhor do que isso, mais forte, mais determinada, mais dedicada. Já foi melhor do que essa garota que fica perambulando sozinha, pensando em alguém que está há muito tempo com coisas mais importantes na cabeça. Mais importantes do que seus sentimentos bobos.
Uma onda de vergonha correu pelo seu corpo. Ela deveria estar concentrada neste exato momento, mas não está.
- Porcaria de... - Não tinha ninguém para pôr a culpa, então chutou uma parede aleatória. - Merda!


Algo pesado segurou seu ombro.
- Cara de bolacha.
Já estava quase para flutuar acidentalmente quando ele a puxou de volta, prevendo sua reação.
- Bakugou?!


Katsuki Bakugou estava lá, olhando em sua direção debaixo do sol brando da manhã.
- O que faz aqui?
Ochako ainda estava um pouco surpresa. Apontou timidamente para o dormitório.
- Eu... Moro aqui...


- O que faz aqui, e não treinando, cabeça de vento. - Ele respondeu rispidamente. Tinha uma toalha repousando na nuca, e parecia ofegante depois de uma corrida.
- Ah! - Deu uma risadinha, um pouco envergonhada. - Eu... Tinha que sair um pouco e... Tomar ar fresco e... Pensar seriamente em algumas coisas!


Uma veia parecia soltar da testa de Bakugou, Ochako deu um passo pra trás e se perguntou o que poderia ter dito de errado agora.
Pensou que lhe daria um esporro ou xingaria de alguma coisa, mas Bakugou apenas resmungou algo entre os dentes e virou-se para ir embora.
- Você mente mal pra caralho...




Não era verdade. Ochako não é uma pessoa que gosta de mentir, mas sempre conseguiu esconder dos outros seus verdadeiros sentimentos, se achava que estes iriam incomodar alguém.
Na verdade, sempre foi acostumada a se esconder um pouco, se isso ajudasse outra pessoa mesmo um pouquinho, e aquilo já era de praxe. Queria estar sempre sorrindo, sempre de bom humor, e quando não conesguia ser essa Ochako que tanto queria ser... Não queria ser absolutamente nada. Preferia desaparecer por um tempinho.
É o que ela estava fazendo naquele momento, desaparecendo dos olhares de todos.


- Bakugou.

Ele virou para olhá-la.

- Como você sabe que eu estou mentindo?



Ele parecia pensativo.
Era raro vê-lo daquele jeito. Muito raro. Quase sempre dizia a primeira coisa que vinha à sua cabeça.
Quando o Bakugou pensativo aparecia, de repente, conseguia ver um lado verdadeiro dele que raramente vinha à tona. Ele era muito perceptivo, mais do que a maioria das pessoas lhe dava crédito.
Se aproximou, empurrando levemente o dedo contra a testa dela.
- Você tem essa cara de tansa quase sempre, sabia?
- ...Quê. - Estava prestes a rebater quando o rapaz continuou.
- -Quando está de mal humor, você fica séria. Fica óbvio que está escondendo alguma coisa. Você é um livro aberto, Uraraka.


Ele não sorriu, apenas continuou esperando por uma reação.
Não havia entendido porquê sentiu vontade de chorar naquele momento, nem como. Lágrimas apenas saíram.
- ... Não fique achando que foi você quem fez isso! - Virou o rosto, um pouco envergonhada.
- Eu sei que não fui eu. - Ele disse seriamente, e nada na sua expressão mudou.
- Também não aja como se soubesse de algo! - Disse, exponencialmente mais envergonhada.
- Tá, tanto faz, cara de bolacha. - Deu de ombros, um pouco irritado.


Katsuki Bakugou. Um idiota, constantemente irritado, explosivo, ninguém nunca leva ele a sério, a não ser que esteja lutando.
O Katsuki Bakugou que via diariamente provavelmente riria da sua cara agora, ou lhe xingaria de alguma coisa.
Mas, desde algum tempo atrás, as coisas mudam de vez em quando.



- Uraraka. - Ouviu a sua voz chamá-la, enquanto tentava desesperadamente parar de chorar.
Sentiu algo passar por seus braços, e antes que conseguisse fazer qualquer coisa, ele já havia a trazido para mais perto.

Dentro dos seus braços, algo a dizia que não deveria lutar contra isso agora, ou fazer qualquer pegunta, apenas aceitar.
Aceitar algo que ele já sabia, e ela já sabia, o elefante na sala de estar.
Ela estava apaixonada por alguém, e ele estava apaixonado por alguém. Mas nunca iria dar certo.
Ele permaneceu calado, mas conseguia ouvir a sua respiração e sentir que, de alguma forma, ele estava esperando por isso há algum tempo.



- E- Espera... - Assim que se deu conta dos verdadeiros sentimentos dele, tocou gentilmente em seus ombros e tentou afastá-lo um pouco.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, viu seu rosto levantar-se. Um pouco mais, e um pouco mais.


Não havia notado rápido o bastante que ele estava levitando.


- Cara de bolacha! Que porra é essa?! - Gritou, segurando-na o mais forte que podia antes que saísse voando por aí como um balão.
- Ah, Bakugou! Desculpa! - Puxou-no para mais perto, abraçando-no de volta e tocando suas costas com ambas as mãos. - Desculpa! Foi sem querer!


Assim que as mãos dela tocaram suas costas, ele caiu como um saco de cimento em cima do seu corpo. Fez o máximo de esforço para não esmagar a coitada contra o chão, mas ainda acabou derrubando-na.
- Que bosta, Uraraka. Presta atenção no que você tá fazendo! - Tentou ajeitar-se para tirar o peso de seu corpo muito maior de cima do dela, mas enquanto ajeitava o próprio corpo não notou que ela estava completamente vermelha há um palmo do seu rosto.


Tentou disfarçar que ele mesmo estava ficando corado, enquanto levantava-se o mais rápido possível.
- Merda... - Foi uma interjeição sem força nenhuma. Estava mais envergonhado do que verdadeiramente irritado.
Durante tudo isso, ela não conseguiu falar nada, não conseguiu dizer o que verdadeiramente queria.
- Hahaha... Tá tudo bem... - Ela disse, também tentando disfarçar.
Viu os olhos dele voltarem-se a ela por um momento, mas logo Bakugou parecia desistir e virar-se de volta à seu caminho.
- Finge que nada disso aconteceu. - Ele deu de costas. - Principalmente o abraço.




Ela queria dizer algo, queria, mas não disse. E ele foi embora.









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A manhã terminou como todas as outras, ultimamente. Ochako sozinha no dormitório feminino enquanto todos os outros saíam para se divertir ou treinavam em seu tempo livre.
Mas algo no seu coração estava diferente. Parecia mudar de cor um pouco, lentamente. Pensou naquela cor que alguns pensam que é azul, outros pensam que é verde, mas não é nenhum, nem outro. Como se diz mesmo?


Turquesa.


De alguma forma, sentiu que seu coração era turquesa, nem uma cor nem outra. E era um pensamento muito confuso.




Ele apareceu, acompanhado dos amigos.
Talvez estivesse o encarando sem querer, mas algo em seu olhar também havia mudado. Ele virava-se a ela apenas por um segundo, e logo desvirava os olhos.
Sem querer, os dois haviam criado um monstro naquela manhã. Algo que nenhum dos dois queriam falar sobre, apenas sabiam que existia, e que iria voltar para assombrá-los toda vez que se vissem novamente.
Um elefante na sala de estar.

Ele provavelmente achava que nada havia mudado, e que era uma rejeição que ela estava prestes a dizer.
E era.
Mas agora, esse novo monstro deixava tudo mais confuso, mais estranho, mais... Intenso.
Essas novas cores e sentimentos preenchiam a sala do dormitório com uma possibilidade que Ochako nunca queria ter parado para pensar sobre.
E se esse elefante fosse turquesa, ao invés de verde?